José Reginaldo Inácio*
1º de Maio, marco histórico de lutas e conquistas da classe trabalhadora, data na qual retomamos 1886 para demarcar o dia que simboliza a batalha de mulheres e homens que resistiram e consagraram direitos fundamentais à vida e à democracia. Não é o dia do trabalho¹. Tampouco um festival em dia de feriado ou um ambiente de celebração entre patrões e operários. Mas, o dia internacional de luta das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Uma luta operária desencadeada por redução de jornada, que era de até 16 horas de trabalho diárias. No século XIX e início do século XX, não havia o descanso remunerado, o direito a férias, aposentadoria, seguro acidente...
O dia 1º de maio de 1886 foi o início de uma grande greve, em que trabalhadoras e trabalhadores norte-americanos se moveram em luta pela jornada de oito horas. No dia 4 de maio houve brutal ataque dos policiais aos grevistas na cidade de Chicago. Dezenas de mortos e feridos. Sindicatos fechados e milhares de operários presos e criminalizados por defenderem redução de jornada e melhores condições de trabalho. Diversos líderes sindicais foram julgados e condenados. Sete condenados à morte e um deles a 15 anos de prisão. Dois deles tiveram a pena de morte transformada em prisão perpétua. Em 1887, quatro deles enforcados: Spies, Fischer, Engels e Parsons. O quinto condenado à pena fatal apareceu morto na sua cela.
Na II Internacional Socialista, no Congresso de Bruxelas, em 1891, foi deliberado que o 1° de maio se consolidaria numa data de manifestação e unidade de todas as trabalhadoras e trabalhadores, mundialmente, como um dia de mobilização e de luta da classe trabalhadora, tendo a redução de jornada e as condições dignas de trabalho as principais reivindicações. Dessas, muitas se tornaram conquistas históricas e transformadas em leis, direitos fundamentais, sociais e trabalhistas, dos quais, além das ameaças atuais, sofrem duro processo de destruição.
Por isso, não se pode perder de vista que “os primeiros de maio” se impuseram historicamente nas greves, manifestações, confrontos e na subversão radical à ordem legal estabelecida em raízes escravocratas e que ainda se mantêm entre nós.
Nos dias de hoje, mártires, trabalhadoras e trabalhadores permanecem sendo perseguidos e sacrificados. Aquilo que a história demonstra, desde os séculos XVIII, XIX e em diversos momentos do século XX, atualmente se repete em outras dimensões e formas.
Em 2020, no mundo, 255 milhões empregos foram perdidos, segundos dados da OIT². Tal cenário é ainda mais desolador para a classe trabalhadora diante do flagelo falimentar agravado com a exposição forçada à contaminação e morte de milhões de trabalhadoras e trabalhadores por Covid- 19, muitas delas evitáveis se houvesse condições mínimas de prevenção ou vacina. Aliás, não se pode ignorar que “no mundo, um trabalhador morre por acidente de trabalho ou doença laboral a cada 15 segundos”³ e nessa conta não foi estimada as vítimas do covid-19.
Por aqui o Estado brasileiro não cumpre o seu papel, viola Constituição Federal (CF) já no seu 1º Artigo, os fundamentos do Estado democrático, principalmente a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Daí o porquê de o Brasil figurar como o 2º país do G20 em mortalidade por acidentes no trabalho.
A vida, o emprego digno e a democracia sofrem violações contínuas. Princípios constitucionais são a cada dia mais severamente atacados: a destruição dos direitos fundamentais e sociais, se foi deflagrada com EC 95, em 2016, agora tende a piorar com PEC 186/19 (EC 109/21) e a PEC 32/21 (Reforma Administrativa); a destruição dos direitos trabalhistas e previdenciários, com as leis 13.429/17 (terceirização irrestrita), 13.467/17 (reforma trabalhista, surge o trágico trabalho intermitente) e com EC 103/19 (reforma previdenciária); a destruição do direito à vida é flagrante quando há a recusa estatal até de se cumprir o Artigo 196 da CF e, aí, as demonstrações são diversas.
É total absurdo que, durante a pior crise sanitária da nossa história, com recordes diários de mortes e contaminações, termos que aqui conclamar pela garantia de recursos orçamentários para o sistema de saúde, para o SUS, para a pesquisa, ciência e tecnologia, o combate à fome, condições mínimas de prevenção, saúde e segurança...
Nesse 1º de Maio, no Brasil, a mórbida realidade se tornou um suplício contínuo que apavora a quem depende do trabalho para viver e se vê próximo de estar entre os mais de meio milhão de mortos em anunciação. Saber que em boa parte seriam e são mortes evitáveis é revoltante, mas não é tudo. Há ainda os drásticos impactos da desproteção social do trabalho e da previdência que assolam a população ocupada e desocupada⁴.
Mais de metade da população brasileira (em idade de trabalhar) está fora da força de trabalho: 76,4 milhões de pessoas. O número de desocupados, desalentados e informais ultrapassa 54 milhões, e, mesmo assim, persistem medidas, leis, normas e procedimentos gestados pelo executivo federal e/ou deliberados pela maioria do legislativo – e para piorar, sustentados por parte do judiciário –, que impõem barreiras antissindicais para impedir que a classe trabalhadora seja, individual ou coletivamente, representada pelos sindicatos, inclusive no pior momento de sua história, como está, por exemplo, estabelecido em certos artigos da MP 1045/21.
Para agravar esse cenário de incerteza e insegurança, o comando do país sabota as medidas de segurança, incentiva a população, principalmente a classe trabalhadora, a descumprir com normas e procedimentos de saúde que possam protegê-la, nega a eficácia da vacina, do uso de máscara, do isolamento social.
Se por aqui o Estado não dá conta ou se omite de conter os desmandos e desatinos de um presidente que despreza e abandona o seu povo, consequentemente, também descumpre e/ou faz descumprir com medidas de prevenção e proteção à saúde e à vida do povo brasileiro. Com isso, o que faz o mundo diante de tamanha e flagrante irresponsabilidade administrativa governamental não contida pelos Poderes da República? O mundo passa a se proteger coletivamente do Brasil; se isola e se distancia da população brasileira, hoje temida como vetor pandêmico que representa um risco humanitário. Infelizmente, não sem razão, afinal temos a pior condução no combate ao covid-19 do mundo, ao ponto de até a comunidade científica internacional atestar esta hedionda atuação⁵. Um presidente que induz a população a exposição ao covid-19; que ao negar a ciência, a saúde e a vida, impõe a alienação, a desigualdade, a miséria e o extermínio seletivo ao povo brasileiro.
“Atrás de renda e sem home office, pobres morrem mais de Covid”, esta foi a manchete da Folha⁶ de 21/04/2021. Quem são esses pobres? Trabalhadoras e trabalhadores. Vítimas, não só desse governo, mas também do mal que vem das reformas trabalhistas e da previdenciária: são terceirizadas/os, informais, trabalhadoras/es intermitentes... milhões que não conseguem se aposentar e também se concentram nas filas do desemprego, da disputa por auxílio emergencial... Subsistem numa aglomeração forçada: filas, paradas e pontos ônibus, metrôs, trens... e são impedidos de se proteger e de proteger aos seus... São as/os elegíveis à morte, descartáveis...
Descumprir as orientações do governo federal se torna medida de segurança entre nós. Todavia, as medidas de proteção e prevenção orientadas pela ciência, por órgãos, instituições de saúde e de pesquisa, nacional e/ou internacional, devem ser seguidas. Dentre as quais o isolamento social, que não é só uma proteção individual, mas coletiva e possibilita, de certa forma, importante meio de prevenção à quem de fato exerce atividade essencial e possa se sentir, relativamente, protegido do covid-19 e não se contamine e/ou sacrifique sua vida para o nosso conforto e proteção.
Que em 2021 essa data tenha sido o dia de um ato decisivo de unidade da classe trabalhadora para um despertar transformador. Inspirador de dignidade e de vida, em que a luta por vacina já e para todos; pelo auxilio emergencial, de pelo menos R$600,00 e com o mesmo número de beneficiários de 2020 estejam entre as prioridades, mas tão somente como vigoroso passo inicial; do contrário sequer estabelecer condição mínima de existência e de prevenção ao isolamento social sem a dor intensa da fome será suficiente, mesmo que signifiquem ações concretas, inadiáveis e emergenciais para o momento. Não há dúvida, são ações determinantes para a superação de um dos piores e mais tristes momentos da história da classe trabalhadora brasileira. Contudo, a miséria e a ignorância não podem ser mantidas como símbolo ideológico de um governo abjeto que as usa no sacrifício de quem trabalha para saciar aqueles que o mantém no poder.
Enfim, é o dia que nos dá a chance de recuperarmos o seu sentido histórico de resistência, solidariedade, unidade na luta para proteção social e por condições dignas de trabalho e de vida. O 1º de maio sem a memória que nos trouxe até aqui, anula a capacidade de resistência e impede que a posição social da classe trabalhadora se situe em sua própria realidade e faça da (in)consciência um obstáculo para a transformação política e social.
O pulso sindical não é percebido sem o movimento histórico da classe trabalhadora. Sua imobilidade jamais pode se dar quando a doença e a morte a espreitam. A ausência de ação e subversão não podem dar significado e sustentação a essa passagem trágica.