Os traumas e os fantasmas decorrentes dos rompimentos das barragens de rejeitos de minério de ferro da Samarco (2015) e da Vale (2019), em Mariana e Brumadinho respectivamente, persistem, e nos rondam de modo ameaçador. Outras comunidades são afetadas pela falta de estabilidade das estruturas construídas. Além dessas populações, diversos outros municípios são atingidos pela restrição hídrica devido à contaminação de águas e solo e pela obstrução de estradas e acessos. Alguns efeitos são trágicos, imediatos, e outros tardios mas também de difícil recuperação. Que o digam as milhares de pessoas atingidas por aqueles rompimentos citados que tiveram perdas humanas próximas e irrecuperáveis, que ainda sofrem no cotidiano as privações, as incertezas, as dores, as injustiças e as reparações que tardam a se efetivar. Mais de cinco mil pessoas vivem expulsas das suas moradias. As perdas do capital têm um ritmo célere e seguro de recomposição, o que garante um novo ciclo de crescimento e acúmulo. Quanto ao lado social, da saúde coletiva e do trabalhador/trabalhadora, este recebe um tratamento diferente, humilhante, postergatório e fica em compasso de espera e à míngua. Todavia não cabe desânimo frente a esta dura realidade a ser enfrentada. Numa perspectiva de transformação, é como disse o grande educador Paulo Freire: “O mundo não é assim, está assim”.
Diante de interesses e alianças conservadoras poderosas, não é de se estranhar, pois, que as determinações destas “tragédias crimes” não tenham sido expostas transparentemente nem tampouco suprimidas e talvez até estejam longe de o serem. A história, ironicamente, vem se repetindo de forma inaceitável ao longo dos anos. A bomba relógio continua armada e prestes a explodir a qualquer momento, em diversos locais, como se fosse uma “crônica de morte anunciada”.
Além dos já conhecidos e denunciados riscos estruturais históricos de um processo minerário insustentável, predatório e destrutivo à vida e ao ambiente, somam-se outros. Diga-se de passagem, que os cientistas mundo afora, vêm alertando reiteradamente sobre a gravidade dos impactos das mudanças climáticas globais e regionais em curso, inclusive a partir e para o mundo do trabalho.
Recentemente, em 08/01/2022, mais um episódio chamou a atenção do OSAT: o transbordamento de um dique da mineradora Vallourec em Nova Lima/MG. O desmoronamento de parte de um empilhamento de resíduos de minério teria caído na represa e gerado uma onda com o consequente transbordamento do dique. A despeito de não ter havido o rompimento do dique, houve um derramamento de lama com danos à saúde de um motorista que trafegava pela BR-040, e danos patrimoniais e ambientais para além do território da empresa. Parece que a sorte entrou em cena evitando um mal maior. Entretanto numa atividade de trabalho não podemos depender ou estar à mercê de momentos de sorte. São quase “tragédias crimes” de trabalho de grandes proporções evitáveis. Este episódio não pode ser minimizado e deve ser rigorosamente apurado. Não basta multar, ainda que se faça necessário tal procedimento. Taxar este episódio como uma fatalidade ou motivado pelo excessivo volume de chuvas não é uma explicação plausível. A história certamente pode contribuir com mais informações e reflexões. Ainda com respeito a este caso da Vallourec, há um ano atrás, em 14/01/21, numa reunião convocada extraordinariamente pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), a pedido da citada mineradora, foi aprovada a ampliação do empilhamento de material estéril da Mina de Pau Branco. Esta aprovação ocorreu apesar das ressalvas e alertas apresentados por setores da sociedade civil sobre os possíveis riscos desta operação. Lamentavelmente, tais posicionamentos são tradicionalmente desconsiderados pelas empresas e pelo Estado. Há que se questionar, assim como em outras situações análogas, o poder e a pressão empresarial-técnica-política que culminam com a aprovação de processos produtivos inseguros e danosos ao trabalhador/trabalhadora, à população e ao ambiente.
Numa outra questão sobreposta, o fantasma da Covid-19 também não deu trégua a esses trabalhadores/trabalhadoras e à população afetada. A mineração foi considerada atividade essencial, o que significou na não paralisação de suas atividades e consequente aumento de risco de transmissão do vírus. Apesar do aumento gradual das taxas de vacinação com um decréscimo de casos, internações e óbitos, houve um aumento preocupante dos casos da Covid-19 pela variante Ômicron e de casos de gripe pelo vírus H3N2 nos meses de dezembro/21 e janeiro/22.
É preciso que as empresas de mineração mudem de imediato o seu processo de produção, tornando-o mais seguro, garantindo que não seja degradante e deletério para o meioambiente e o ser humano.
Faz-se necessário o respeito e o diálogo contínuo das empresas e do Estado com os movimentos sociais e sindicais para a construção deste novo modelo de produção seguro e não predatório de mineração.
O OSAT entende que as questões trazidas nesta nota merecem resposta imediata, concreta e efetiva por parte das empresas e dos órgãos de Estado envolvidos com as mesmas.
Observatório de Saúde do Trabalhador de Belo Horizonte/OSAT